A unidade do poema
A unidade do poema

GOLDSTEIN, N. Versos, Sons e Ritmos. 8ª ed. Editora Ática. Série Princípios. São Paulo, 1994 . 80 páginas.

Cap.1 A unidade do poema

 

Um discurso específico

Como toda obra de arte, o poema tem uma unidade, fruto de características que lhe são próprias. Ao analisar um poema, é possível isolar alguns de seus aspectos, num procedimento didático, artificial e provisório. Nunca se pode perder de vista a unidade do texto a ser recuperada no momento da interpretação, quando o poema terá a sua unidade orgânica restabelecida.

Nos textos comuns, não literários, o autor seleciona e combina as palavras geralmente pela sua significação.Na elaboração do texto literário, ocorre uma outra operação, tão importante quanto a primeira:a seleção e a combinação das palavras se fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literário é um discurso específico, em que a seleção e a combinação das palavras, se fazem não apenas pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais,o sonoro. Como resultado, o texto literário adquire certo grau de tensão ou ambiguidade, produzindo mais de um sentido. Daí a plurissignificação do texto literário.

Não há receitas

Cabe ao leitor ler, reler, analisar e interpretar. Ao analisar, é mais simples começar pelos aspectos palpáveis do poema, aqueles que saltam os olhos _ ou aos ouvidos. A seguir , é preciso estabelecer relações entre os diversos aspectos do texto para tentar interpretá-lo.

Não há "receitas" para analisar e interpretar textos, nem isto seria possível, dado o caráter particular e específico de cada criação de arte. O próprio texto deve sugerir ao estudioso quais as linhas de seu trabalho. Mas, de certo modo, é possível pensar-se em "técnicas" de análise que seriam uma espécie de auxiliar para o trabalho com o texto. 

Esta obra pretende contribuir parcialmente nesse sentido, tratando da análise do aspecto formal e rítmico do poema. Dado o primeiro passo_ a análise rítmica_,será preciso que o leitor prossiga, estabelecendo relações entre o aspecto rítmico e os demais aspectos do poema: vocabulário, categorias gramaticais predominantes, organização sintática, figuras. Ele deverá tentar perceber como se processou não só a escolha ou seleção de palavras, mas também a combinação que aproximou certas palavras umas das outras, visando ao efeito poético.

A interpretação dificilmente será a palavra final se for feita por uma só pessoa. O texto literário talvez seja aquele que mais se aproxima do sentido etimológico da palavra "texto": entrelaçamento, tecido. Como "tecido de palavras", o poema pode sugerir múltiplos sentidos, dependendo de como se perceba o entrelaçamento dos fios que o organizam. Ou seja: geralmente, ele permite mais de uma interpretação. Dada a plurissignificação inerente ao poema, a soma das várias interpretações seria o ideal.

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Mário Cesariny, poeta surrealista português.